Com a estreia de “Anjos e Demónios”, filme baseado num sucesso literário do autor Dan Brown, volta a surgir a questão, bastante pertinente por sinal, sobre o que é discutirmos filmes baseados/ adaptados/ inspirados em livros. E pelo que tenho andado a ler nesse vasto universo que é a internet, há uma grande percentagem de pessoas que inevitavelmente se remete ao livro quando comenta o filme, sendo quase impossível não estabelecer comparações entre os mesmos.
A questão além de ser pertinente é também muito interessante. De facto há coisas que simplesmente são impossíveis de se separarem. Não teria lógica tirar as batatas cozidas ao cozido à Portuguesa, a cerveja e o marisco ao arroz de marisco ou até o bacalhau ao bacalhau à Brás. Na grande maioria das vezes é um ingrediente que dá o nome ao prato que a partir daí fica a ser conhecido. Este pequeno desvio gastronómico (vamos chamar-lhe assim) serve apenas para dizer que quando algo surge a partir de uma outra coisa, muito dificilmente vamos conseguir separá-las. O mesmo se passa com o cinema. O filme surge devido a uma adaptação de um livro (com o mesmo nome, que possui as mesmas personagens, o mesmo enredo – ainda que aproximadamente), então porque não falar do livro, que é o mesmo que dizer, a obra que deu origem ao filme?
Por outro lado eu compreendo a razão pela qual algumas pessoas, de certa forma, que se opõem a esta necessidade de falar no livro, alegando muitas das vezes, que o livro não é mesma coisa que o cinema – pois não é, concordo – que o filme só pode ser comparado com outro filme porque com o livro não há interligação. E é aqui que reside a questão. Se se for por esta ordem de ideias, uma comparação (termo implícito) apenas pode existir entre algo que seja partilhado por ambas as partes. Se assim fosse apenas poderia comparar filmes, a partir do seu género, da sua história, dos seus protagonistas, da sua montagem ou da técnica utilizada mas todos sabemos que isto não resulta assim de uma forma tão linear. Eu posso comparar drama com acção, posso comparar o protagonista do filme A, com o do filme B e dizer qual me agradou mais. O que importa verdadeiramente, é se o filme (ou o livro) consegue subsistir no seu meio, sem ser implicitamente obrigatório conhecer o outro.
Eu que não conhecia a obra que deu origem a “Watchmen” achei o filme fraco, apenas por não a conhecer? Não, bem pelo contrário. Teria usufruído mais se eventualmente conhecesse a BD? Provavelmente sim, pois estaria muito mais familiarizado com os personagens, a história e isso faria com que possivelmente o filme me agradasse (ou desagradasse – também acontece por vezes) mais. O mesmo acontece com “Anjos e Demónios”. Como filme, ambos os exemplos conseguem existir e prevalecer, sem qualquer dúvida. Como adaptações literárias pode já não acontecer o mesmo, e é a meu ver o que decorre com a película de Ron Howard. Faltam-lhe elementos fulcrais da narrativa que por questões (que só a equipa sabe) não foram escolhidos para figurar na história. É também importante não esquecer o impacto que os livros/ BD´s – ou uma outra qualquer obra – pode causar no público, nos leitores (que pode varia conforma a intensidade desse impacto). Esses sim, nunca vão conseguir “desligar” dela, sendo que será provavelmente um público mais “exigente”. Para quem não conhece a obra, o filme deverá existir como filme, sendo que a experiência de visualização do mesmo poderá ser um tanto inferior, mas é de todo possível fazerem-se todas as comparações entre os dois meios, nunca perdendo a linha de horizonte, que sendo dois mundos diferentes, obrigatoriamente terão que apresentar as suas dissemelhanças.
Em suma é impossível retirar elementos de uma análise (mesmo que se trate de uma a um meio diferente) sem se recorrer ao “ground zero” da obra que neste caso concreto dá origem ao filme. No entanto é importante ter-se em conta as virtudes e vicissitudes necessárias para uma adaptação cinematográfica a partir de uma literária, ou de outro qualquer tipo. Exactamente da mesma forma como é impossível separar o fino dos tremoços. Há coisas que podem, e a meu ver, devem conviver em harmonia e complementaridade, daí a necessidade de se falar no livro para nos remetermos ao filme. É um complemento/ suplemento. E se quisermos até podemos chamar-lhe de “suplemento” nutritivo e a verdade é que com tanto marisco, bacalhau e cerveja, estou mesmo é a ficar com fome…
Até para a semana!
Dan Brown e Ron Howard? Medo!
Caro Victor,
Ainda assim, muito mais medo com Ron Howard do que Dan Brown (é discutível eu sei mas... )
Aproveito também para lhe perguntar como correu a conferência na UBI? O tema era muito pertinente e interessante, ainda pensei deslocar-me até lá mas vicissitudes da vida impediram-me.
Da mesma forma aproveito para aplaudir este tipo de iniciativas que tanto nos enriquecem. Como antigo aluno da UBI também dar os meus parabéns ao núcleo de cinema Eye I pela organização deste evento. É para continuar meus amigos.
Cumprimentos caro Victor e até uma próxima :)
A.S.
Obrigado eu.
A conferência correu bem, apesar das condições técnicas para ver o fime não serem as melhores, havia mais de 30 alunos de cinema, o que já não foi mau.
Abraço e até breve.
VA
há muito tempo comecei a acreditar que é (praticamente) humanamente impossível criticar um filme por si mesmo se já tivermos lido o livro em que se baseia (se for o caso)... bom, pelo menos falo por mim...juro que ja tentei..mas acabo sempre por ter em conta a obra escrita...ehe
muito bom texto e muito pertinente como sempre :P pra semana cá estarei para ler o proximo ;)
Cara Close-Up,
Conheço perfeitamente esse sentimento que referes. Não é de estranhar. É sempre difícil separarmos as águas, e também eu por vezes (leia-se quase sempre) preciso de recorrer à obra para estabelecer um termo de comparação. É por isso que "Senhor dos Anéis" é uma obra de arte que vai perdurar no tempo. A adaptação feita é realmente uma muito bem conseguida, provavelmente uma das melhores.
Mais uma vez agradecer as palavras simpáticas. Acreditem é com muito gosto que todas as semanas preparo estes pequenos textos para partilhar com vocês. Ainda bem que gostam.
Até à próxima (que seja para a semana) ;)
A.S.
De On_The_Stage a 28 de Maio de 2009
Caro André:
Desta vez acertou em cheio no tema da sua crónica. Deliciei-me apenas e só com o título, pois os livros para mim completam o meu universo.
A verdade é que por diversas vezes vi filmes cuja base foi uma obra literária já lida por mim. E o conhecimento que se tem de antemão do livro pode não ajudar em muito à transposição para imagem. É indubitável irmos com um conjunto de pré-conceitos muito definidos, muito próprios e muito relacionados com a nossa imaginação, com as nossas vivências. E quando nos é dado a ver o que antes apenas víamos com os nossos olhos interiores é a mais pura desilusão. Ou por que os cenários e as personagens são completamente diferentes ou então, e este é o principal ponto de decepção, o que está escrito corresponde em pouco ou em quase nada ao que está em imagens.
E falo em casos específicos…
“O Mistério da Estrada de Sintra”, uma das obras-primas da literatura portuguesa, com um enredo que conseguiu manter o suspense até ao final, que foi revelador e surpreendente. O mesmo já não posso dizer do filme, já que o mistério foi logo revelado no seu início, quebrando logo ai o encanto e o interesse.
As adaptações dos livros de Nicholas Sparks, monótonas, enfadonhas e muito inferiores aos manuscritos (se bem que estes já comecem a ser demasiado repetitivos e previsíveis).
“P.S. I Love You”, “Harry Potter’s”, “Eragon”, “Feira das Vaidades”, “Memórias de uma Geisha” e por ai fora… E poderia referir muitos outros casos. Se por um lado o facto de se referir “adaptado de” não é sinónimo de seguir fielmente o enredo do livro, o que para quem não o leu é indiferente. O problema mora em quem já leu as obras, ai as comparações são inevitáveis, vai sempre com as expectativas demasiado altas e que na maior parte das vezes saiem goradas.
Por outro lado, neste campo das adaptações é a falta de coragem em se ser fiel ao enredo do livro e de com isso eliminar questões fulcrais à sequência e ao entendimento da história. E pelo que já li e ouvi é aqui que encaixa “Anjos e Demónios”. No caso específico das passagens ao cinema das obras de Dan Brown, são livros já de si com uma estrutura narrativa intensa, densa e ritmada o que complica a sua adaptação caso à frente dos projectos não estejam pessoas criativas, talentosas, corajosas e não susceptíveis a pressões seja a que nível for ou de quem for. E digo isto, na ignorância do meu conhecimento sobre os responsáveis pelos projectos.
Convenhamos deve ser tudo menos fácil pegar num best seller e adaptá-lo ao Cinema, pois quem dirige o projecto terá sempre a martelar na cabeça “e se não tiver o mesmo sucesso do livro”, “e se os fãs não gostarem”, e a estes “e ses” juntar-se-ão com certeza outras interrogações, que serão em tudo idênticas a argumentos não adaptados.
As adaptações são sempre a forma mais simples, rápida e barata de ler um livro… o que para os alunos não é nada mau… Poupam tempo e dinheiro e ficam “a par” enquanto emborcam uma “loiras” e “depilam uns “tremoços”.
Já precisava de um raspanete, mas ainda bem que voltou.
Cumprimentos cinematográficos
OTS
Caro OTS,
Há muito tempo que penso que não passava por estas bandas mas muito me agrada saber que navega novamente para estes lados.
Relativamente ao aparecimento do tema, confesso que foi mesmo devido ao filme “Anjos e Demónios” mais concretamente ao seu final, que aqui entre nós, incomodou-me. Pelo que li, os livros são mesmo o “seu universo”, mas por acaso muitos dos que refere eu também já vi. Há algum que realmente foge a essa lista que é o “Mistério da Estrada de Sintra” e pelo que me conta, ninguém consegue deixar de transparecer desilusão quando o suposto final é precocemente desvendado no início. Dito de outra forma, é muito mais difícil sustentar o filme quando factores tão reveladores são mostrados logo no começo. Mas eu conheço um caso, onde isso resulta e na minha opinião não deixa de ser um grande filme (não sei se já viu) – “American Beauty”, no qual ficamos logo a saber que o personagem principal vai morrer mas um filme que não deixa de agarrar o espectador até ao final.
As razões que refere para um filme adaptado de uma obra literária ser normalmente uma desilusão são aqueles que realmente me parecem pertinentes. Alguém dizia que ler um livro era fazer um filme, e fazer um filme não é nada mais que isso. No livro a nossa imaginação cria, no filme é apenas e só a mente do argumentista e realizador que criam (isto quando têm imaginação que não é efectivamente o caso de Ron Howard), obrigando-nos e observar o que já foi criado e ao qual não podemos fugir. Até aqui acho perfeitamente normal as divergências das opiniões no que respeita ao livro vs filme, mas temos que pensar que cada um deles é um universo e nesse caso, cada um terá que existir no seu respectivo universo sem implicitamente necessitar do outro. Para ser um bom filme eu não preciso de conhecer o livro, ainda que se o fizer o filme possa eventualmente me agradar mais (ou desagradar).
Depois há autores que simplesmente não têm sorte nenhuma. É o caso de Nicholas Sparks um autor com livros que só por si não conseguem agradar a todo o tipo de leitores, mas o que ainda vem piorar é que quando são adaptados ao cinema os seus livros perdem toda e qualquer força, e normalmente são filmes muito fraquinhos. Pessoalmente ainda não vi nenhum livro de Sparks que possa dizer ou sentir que foi bem adaptado ao cinema. Por outro lado, existe um outro exemplo muito concreto que são as adaptações das obras de Stephen King que (pelo menos aparentemente), apenas um realizador consegue transpor para cinema de forma fiel e decente. Ou seja, todos os outros apresentam obras que são notoriamente inferiores. Frank Darabont, por sua vez, adaptou três obras e são três filmes absolutamente magníficos, “The Shawshank Redemption” – Os Condenados de Alcatraz; “The Green Mile” – À Espera de Um Milagre; e “The Mist” – Nevoeiro Misterioso.
O que me faz pensar que de facto tem razão. Nem será tanto uma questão de coragem, porque muitas das vezes o livro tem lá tudo – caso de “Anjos e Demónios”. Será mesmo só e apenas uma questão de talento, aptidão e engenho no processo de transposição de palavras para imagens. A coragem (ou falta dela) subsiste apenas nos casos onde é evidente a ocultação de factos que estão no livro, apenas por serem polémicos ou mais afiados perante outro tipo de instituições – mais uma vez curiosamente (ou não) o caso de “Anjos e Demónios”.
Por fim, ler um filme e ver um filme por muita excelência que ambos possuam, nenhum deles substitui o prazer do outro, ou até mesmo a cultura que advém de ambos. Enquanto alunos apenas procuramos as facilidades, enquanto mais adultos já procuramos o que mais nos dá prazer ou satisfação. E eu não me esqueço de tudo o que senti, nas imensas horas que passei a ler “Senhores dos Anéis” e da mesma forma ninguém me retira o imenso prazer que senti ao visionar esses portentosos filmes que definitivamente ficarão para a história.
Quanto ao raspanete… pois o que dizer… cá estou para o receber :) mas em todo o caso, “It feels good to be back”
Conto consigo para a semana.
Cumprimentos cinemáticos :)
A.S.
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