Vivemos num país de brandos costumes, e isso é indiscutível. Da mesma forma somos um país que possui uma sociedade fundada na base do lucro, onde tudo tem preço, tudo se vende e tudo se compra. Há porém, aqueles pseudo-intelectuais (tipo eu) que afirmam que é a cultura que sai vítima desta situação, mas a verdade é que também nem liga ao que esses senhores dizem (incluindo eu). Li algures que a venda das comidinhas nos cinemas é quase 90% das vendas e do lucro. Depois do choque inicial, dei por mim a pensar naquelas pipocas que afinal de contas valem ouro. Depressa este pensamento saiu da minha mente para entrar outro. A verdadeira chafurdice que é comer pipocas enquanto se vê um filme. Se não reparem, o barulho do mastigar – muitas das vezes de boca bem aberta para todos ouvirmos (no bom sentido da partilha) – ou então a procura incessante com a mão bem aberta a percorrer todo o fundo do pacote (leia-se antes, autêntico balde), os refrigerantes e o barulho repetitivo das pedras de gelo a bater, e mais para o fim, aquele sugar apetitoso e irresistível por aquela palhinha irritante, que enoja qualquer um. Como se pode imaginar, ou constatar, são de facto elementos fundamentais para uma inesquecível banda sonora.
E a última que me aconteceu foi ainda mais… vamos chamar-lhe “caricata”. Estava eu preparado para iniciar a sessão (publicidades à parte claro) quando dou conta da entrada de um grupo de espectadores, no qual cada um se fazia acompanhar do seu saco de papel que ostentava a letra “M” em tons amarelados. É verdade, McDonald's em plena sala. Ou seja, além da doçura do aroma das pipocas agora também tinha o aroma salgado (e intenso) do belo do hambúrguer, acompanhado claro está, com as perguntas do costume; “onde é que pára o ketchup?”; “trouxeste guardanapos a mais para tirar a porcaria dos pickles?”; “Olha o gajo enganou-se e em vez de cola deu-me ice tea!”; Tudo isto “embalado” por esse melodioso som proveniente dos sacos e dos invólucros dos hambúrgueres. Seria para rir, se não fosse tão dramático ao que isto já chegou.
O que virá a seguir, foi a questão que me preencheu o pensamento durante o resto da sessão. E, feliz ou infelizmente (ainda não decidi) as possibilidades são imensas. Um caldinho verde numa taça de barro, um bacalhau à Brás ou à murro, uma sardinha assada numa fatia de broa, um cozido à Portuguesa ou o arrozinho de marisco sempre bem acompanhado com o verdadeiro copo/ jarro de vinho ou uma mini. E pensando bem, a única coisa que teria que ser mudada nas salas, seriam as cadeiras que além do já existente espaço para o copo, teriam assim que possuir um pequeno tabuleiro nas cadeiras da frente, um pouco como já se faz nos aviões, para se poder pousar o farnel enquanto se vê o filme, como uma típica casa portuguesa com certeza, onde o garrafão e o farnel são já presença habitual. Já estou mesmo a ver a perna da lagosta a sair disparada em direcção à cabeça de alguém. E se no final das sessões as salas já estão imundas “apenas” com pipocas, imaginem com estes novos upgrades… pois eu sei, ou é imaginável, ou é por demais cómico, e eu desconfio que seja mais a segunda.
Agora mais a sério. A verdade é que também consumo pipocas. É viciante e somos quase “obrigados” a comprar, sendo praticamente impossível dizer que não, ainda que por vezes aquele cheiro a gordura e a doce agonie qualquer pessoa. Mas além de ter algum cuidado quando as como, a verdade é que o faço para perceber o outro lado da questão. Eu não as como por prazer, como por sacrifício, que representa um serviço público, pois além de não me querer armar em “sabe tudo”, considero não ser justo falar de algo, quando não conheço de forma aprofunda o outro lado da barricada, ou deste caso, do pacote. Além do mais, e isto sim é extremamente importante, sempre é mais fácil implicar comigo e com as minhas pipocas do que com os outros e com as respectivas pipocas deles. E em última análise sempre prefiro levar com o meu barulho, do que com o barulho dos outros. Pelo menos assim só sou distraído por mim, e visto que não podes vence-los (também com uma margem de lucro desta é difícil de vencê-los) o melhor mesmo é juntarmo-nos a eles. E venha daí a pipoca pois então (por sacrifício claro)!
Até para a semana!
De On_The_Stage a 24 de Março de 2009
O que primeiro me tomou de assalto quando li a sua crónica foi “É o querer viver depressa e em simultâneo uma série de situações, não lhes dando espaço e tempo para serem degustadas adequadamente”. E com o decorrer da minha leitura o desvio desse pensamento inicial não foi muito.
O povo português é conhecido por ser bom garfo e por passar horas a fio em volta de uma mesa. Onde expressões como “despacha-te”, “estás atrasado” ou “não consegues fazer duas coisas ao mesmo tempo?” pura e simplesmente estavam fora de qualquer dicionário gastronómico lusitano.
Então o que mudou? As pessoas? As mentalidades? Os costumes? Ou será que foi o relógio? E aqui se encontra o cerne da questão. Não deixamos de ser portugueses (apesar de agora e cada vez mais americanizados), não deixamos de gostar de bem comer (continuamos a americanizar-nos e a comer mais e mal) o que mudou foi a nossa relação com o tempo.
Antes parecia que haver tempo para tudo, cada realidade tinha o seu momento e esse era vivido de forma intensa e significativa. Não se misturava refeição com notícias, amor com futebol, família com amigos. Ao contrário, hoje, até as gerações do antigamente, passaram a ver as suas vidas comandadas pelo famigerado tempo e por aquele magnifico objecto que o materializa que dá pelo nome de relógio.
A prova disto é essa preciosidade que refere, MacDonald’s na sala de cinema. Já não há tempo para jantar antes de ir ao cinema. O que antes era um ritual quase sagrado – sair com os amigos, jantar, entrar na sala e ver o filme, tudo de forma calma e atempada, agora misturar-se. Junta-se o útil ao agradável (para quem come) e o desagradável (para quem ouve e acima de tudo apanha com os cheiros) e janta-se a ver um filme, no meio ainda se vão fazendo, alto e bom som (pois esta malta do agora tem graves problemas auditivos e não sabem o que é falar baixo), uns comentários ou ao filme ou a questões de vida privada e está o ramalhete composto.
A meu ver é a completa subversão da sociabilização, dos conceitos de público e de privado. E cada vez mais, está-se a cair no ridículo de fazer em público, o que apenas deveria estar circunscrito ao domínio privado. Mas pensando bem no assunto, não será a primeira nem a última vez que alguém pensa que está em casa, quando afinal está a dar espectáculo público.
É o mundo em que vivemos… resta àqueles que ainda vão tendo paciência para afrontar o relógio e separar os “pratos”, de os apreciar no devido lugar e com o tempo que cada um lhe merece… Afinal há “comidas” que merecem toda a nossa atenção e dedicação, mais que não seja porque contribuem para alguma satisfação pessoal, nem que seja a de saber que podemos ser uns ET’s. Resta a esperança de não sermos os únicos…
Caro OTS,
Gostei particularmente da expressão que refere, já praticamente no final do seu comentário, “ET´s”. E de uma coisa pode ter a certeza, não é o(a) único(a). São muitas as vezes que dou por mim a fazer as mesmas perguntas, constatações perante esta ou aquela situação que de uma forma directa ou indirecta me alcança. Não será portanto necessário dizer, que para muitas dessas questões/ situações eu nunca chego a encontrar respostas/ soluções.
Por outro lado, será possível imaginarmos a nossa vida sem esse objecto chamado relógio? Se com ele já se vive nesta anarquia, onde de facto, parece não existir tempo para nada, onde tudo tem de ser feito a correr, a despachar, onde tudo se mistura (como tão bem disse). Não existindo relógio, então nem consigo imaginar no que tudo isto se transformaria.
Mas se me permite, eu também considero que algo mais mudou além da definição de tempo. As mentalidades. Já reparou que há tão poucas pessoas, que por exemplo, se importam por alguém estar a falar alto nos cinemas, ou atender o telemóvel (como agora é tão frequente – quase tipo moda), já reparou que os vigilantes deixam entrar qualquer pessoa (independentemente da idade) para qualquer filme? Se o espectador se queixa do barulho, é raro aquele que é “convidado a sair da sala”, e que me perdoem os que as levaram, mas faz falta algumas das reguadas e nalgadas, e estas últimas também eu apanhei, quando era mais irreverente. Em suma arrisco a dizer, que falta educação, muita educação, bom senso e saber estar a esta nova mentalidade que se apoderou de todos nós, ou quase todos.
Daí a ter gostado particularmente do “ET”. Parece-me que por vezes é mesmo assim que nos vêem. E por fim, também sou obrigado a concordar consigo, quando diz que existe uma completa subversão da sociabilização. Mas por outro lado, todos nós somos “filhos” de uma determinada sociedade e com isso tenho que colocar a questão… não deveria o exemplo vir de cima? E será que vem?! A resposta fica para cada um de nós. Mas é de facto o mundo em que vivemos, e com isso há que adaptar a realidade para o que nos é exigido, correndo o risco de não o fazermos e sermos considerados outsiders. Assim tem de ser depressa e bem, quando há um deadline para cumprir escrupulosamente, e a horas, quando temos que nos apresentar nalgum lugar. Da mesma forma com serenidade e capacidade de introspecção quando escrevo estes textos e vou repartindo argumentos nestas discussões com todos aqueles que gostam de partilhar e lá no fundo, conseguem arranjar um tempinho para se dedicarem a este “prato” que é o cinema e tudo o que envolve, e que tanto gozo e satisfação me dá. Há “comidas” que merecem toda a nossa atenção e dedicação. E essa verdade ninguém nos pode tirar, nem eu o iria permitir.
Cumprimentos cinéfilos OTS e até para a semana!
A.S.
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